Os serviços de limpeza pública são efetivamente pagos pelas populações das cidades onde eles são executados. Essa afirmação decorre do fato de que mesmo não havendo um tributo que incida sobre eles, os serviços são realizados e o pagamento é feito através do orçamento do município, onde as receitas são compostas pelos recursos arrecadados da população.
Esta observação inicial parece óbvia, mas necessária por alguns motivos. Houve um período em que se afirmava o contrário, que a população recebia o serviço mas não o pagava. Um equívoco que pode ser assim explicado: a população não sabe o quanto paga pelos serviços de limpeza urbana que recebe. Quando paga seus impostos, ela acredita que esses recursos pagarão todos os serviços e infraestrutura para executa-los.
Por muitos anos municípios cobraram uma Taxa de Limpeza Urbana agregada ao IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano; talvez isso corrobore o entendimento descrito anteriormente. Quando essa taxa se utilizava dos mesmos critérios utilizados para o cálculo do IPTU, foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Grande parte dos municípios que assim procediam retiraram essa taxa, entendo equivocadamente que inconstitucional era a taxa quando, no mérito, foram declarados inconstitucionais os critérios de cálculo dessa taxa.
Claro que com a retirada da taxa e sua não substituição de imediato por outra, com critérios próprios de cálculo, o orçamento municipal deixou de contar com parte do recurso até então provindo da taxa. Foi aí perdida a grande oportunidade de manutenção do tributo, que com nova base de cálculo poderia continuar a constar no próprio boleto de recolhimento do IPTU, servindo este apenas como meio de cobrança. Não haveria celeuma provocada por “novo” tributo.
E aqui uma outra constatação: a falha de comunicação entre os gestores e os cidadãos. Estes não são informados sobre as circunstâncias difíceis da execução orçamentária – sem informação não há conhecimento, muito menos comprometimento. Dentro desse contexto a Prefeitura passa a ser o ente que se propõe resolver essas questões sem a participação essencial do principal protagonista: o gerador de resíduos. Impossível.
A certeza é o surgimento de uma frustração generalizada, seja pelo não atendimento das demandas, pelo não comprometimento com essa realidade, ou ainda pelos movimentos políticos que canalizam essas insatisfações em benefícios próprios.
No orçamento municipal, as receitas são definidas mas podem sofrer alterações ao longo do ano; queda de arrecadação não é um fenômeno raro, e quando acontece há um forte obstáculo: as despesas também podem variar, mas geralmente por elevação de valores que se apresentam como gastos não previstos. Fala-se em frustração de receita; não há frustração de despesas. É necessário que se afirme que aqui tratamos o orçamento como fruto de um trabalho técnico sério e qualificado, desprezando-se os que porventura não tenham seguido esses princípios.
Não é raro nos depararmos com orçamentos que visivelmente tiveram suas expectativas de receita elevadas, mesmo ao registrarem os valores que adentrarão como transferências; por outro lado, não há percepção de redução de despesas. Dessa forma, cria-se uma ficção orçamentária para que se obtenha uma peça que cubra tanto as despesas como os investimentos. Quando da execução orçamentária isto despontará claramente.
As demandas enfrentadas pelos municípios são crescentes, e se defrontam com a concentração de recursos hoje mantida pela União e também pela concepção equivocada da forma como os repasses desses recursos são feitos. Aqui já entraríamos na reforma tributária, que não é o escopo destes artigos.
É bom que se ressalte que as chamadas despesas “carimbadas” possuem forte participação no orçamento: a Saúde tem previstos 25% do total e a Educação compartilha outros 15%; ainda há que se registrar que a estrutura burocrática e funcional consome aproximadamente 50% dessa receita. Somados, esses itens chegam a 90% do total a ser gasto em relação ao arrecadado.
E aqui se está falando genericamente do custeio, já que os investimentos sofrem forte redução por não haver recursos suficientes para isso. Aos céticos, o convite para o acompanhamento da execução orçamentária de municípios de diferentes portes e por prazo suficiente para aquilatar o que aqui é afirmado.
Claro está que o descompasso dos investimentos vai produzindo maiores danos à sociedade, já que somos um país onde ainda há muito por fazer e que essa postergação irá produzir custos ainda maiores, criando-se um ciclo perverso em que temos consciência de que não podemos efetivar esses investimentos agora e a certeza de que não iremos concretiza-los sem que para isso mais recursos ainda sejam dispendidos.
Há aqui um exemplo dramático evidenciado pelos danos causados pela existência de lixões em mais de cinquenta por cento dos municípios brasileiros. Não há dúvida alguma de que os lixões devam ser extintos, com previsão legal para isso, substituídos por aterros sanitários. A cada dia que o lixão é utilizado aumenta-se o passivo ambiental ali existente . Assim, a paralisação de um lixão concomitante com o início da operação do aterro sanitário é um extraordinário ganho por si só.
Entretanto, os municípios tem insuperável dificuldade para construção de aterros; ainda que a legislação preveja que as soluções devam ser necessariamente consorciadas, assim mesmo as dificuldades persistem. Planos diretores envelhecidos ou omissos não preveem áreas ambiental e tecnicamente possíveis preservadas para a construção de unidades integradas de tratamento, ou, mais simplesmente, para a construção de um aterro sanitário.
Essas possíveis áreas são tomadas por habitações, que formam um núcleo que tende a ampliar-se. Quando a pretensão de utilizá-las como destinação de resíduos tornar-se pública, há uma forte oposição feita pela população ali alocada, muitas das vezes fortalecida por interferências externas. Ninguém aceita morar em uma área que vá conter um “lixão” nas suas proximidades.
Pois bem. Se não há aterro, utiliza-se o lixão, aumentando o passivo já acumulado ao longo dos anos e do qual não se conhecem os reais custos econômicos e ambientais, e ainda mais, dos impactos à saúde ali gerados. Há previsões sobre esses custos, feitas pelo Selurb (Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana), que alcançam a cifra de 750 bilhões de reais, número que fala por si só.
O modelo de contratação, gestão e operação dos serviços de Limpeza Urbana, e exceções existem, data dos anos setenta. Consequentemente, precisa ser adequado às exigências previstas pela Lei 12.305/2010.
Nesse contexto, via de regra a dotação orçamentária para o custeio dos serviços de limpeza urbana é atropelada, sendo postergada para com isso dar conta às demandas não previstas ou por frustração de receita. Porém, há um fato importante a ser lembrado: a limpeza urbana é um serviço contínuo, e portanto previsível, de execução obrigatória e de característica essencial, que necessita também de investimentos.
Não é incomum que os empenhos sejam feitos gradativamente ao longo do ano na rubrica Limpeza Urbana e que de repente passem a integrar outra rubrica, sabe-se lá por quais motivos; ou que os empenhos relativos à execução dos serviços estejam liquidados, mas ainda não pagos. Em termos exponenciais, lembra-se que geralmente esses serviços estão entre os três maiores dispêndios orçamentários do município (não consideradas as chamadas despesas “carimbadas”)
O município é o ente federativo onde tudo acontece, é nele que a vida transcorre, as indústrias produzem, os serviços são prestados, a riqueza nacional é construída.
Depreende-se que nessas circunstâncias os demais entes federativos – União e Estados – devam participar do enfrentamento dessa questão – Limpeza Urbana, esta que até hoje é vista como de competência exclusiva dos municípios em todos os sentidos. Sabe-se que essa competência não resiste à realidade dos fatos.
Entre os requisitos exigidos pela legislação, mormente os constantes nas Leis do Saneamento ( 11.445/2007 e sua Regulamentação – Decreto 7217/2010) e a da Política Nacional de Resíduos Sólidos ( Lei 12.305/2010 e sua Regulamentação – Decreto 7.404/2010), para que recursos da União possam ser utilizados pelos municípios na questão resíduos sólidos urbanos, está a construção de Plano de Gestão Integrada em região formatada em consórcios, com a demonstração da sustentabilidade econômica dos mesmos – cito apenas estes dois dentre os requisitos exigidos.
Ressalte-se que possíveis recursos da União que possam ser aportados aos consórcios, preenchidos os requisitos para isso, somente poderão ser destinados a investimentos. O custeio deverá ser mantido pelos entes consorciados dentro das disposições previstas quando da formação do consórcio.
Mesmo levando-se em conta que mais da metade dos municípios utilizam lixões, que pouco ou quase nada é feito para a transformação dos resíduos em rejeitos, que as metas estabelecidas são tímidas ou vagas, a sustentabilidade econômica somente será atendida quando houver recursos vinculados à limpeza urbana. Ou seja, que sejam destinados exclusivamente ao custeio e aos investimentos que essa atividade requer.
A desinformação é ótimo caldo de cultura para que surjam divergências quanto à forma de dar sustentabilidade às atividades de Limpeza Urbana. O município é o ente que deverá propor soluções com a participação essencial do principal protagonista – o gerador dos resíduos, aquele que frequenta o sistema viário, as praças, os jardins, etc.
Nesse contexto, a proposição de criação de uma taxa vinculada aos serviços de Limpeza Urbana esbarra em um fato bizarro: a população reage a isso já que, como o serviço sempre foi prestado, por que deveria agora pagar por algo que já é feito e pelo qual sempre pagou?
Por essa e outras razões o Plano de Gestão Integrada dos Resíduos Sólidos deve ser amplamente discutido, detalhado, compartilhado e, sobretudo, difundido. Os objetivos a serem atingidos, os custos e os investimentos a isso inerentes claramente demonstrados, a cronologia física e financeira das ações, o que isso trará de benefícios à população.
As formas de comunicação deverão ser cuidadosa e estrategicamente analisadas, prevendo a participação dos formadores de opinião, das mídias, associações de classe, clubes, sindicatos, entidades religiosas e filantrópicas, um amplo leque que atinja a maior parte da população.
Deve-se discutir a criação dessa taxa de forma transparente, explicitar uma base imponível que abranja custeio e investimentos, os critérios utilizados para a cobrança dos valores, conhecer a capacidade de pagamento dos usuários em faixas, propor formas de incentivar a redução da taxa ou mesmo torna-la simbólica, seja isto através da participação na entrega voluntária de recicláveis ou mesmo pela redução dos custos de manutenção da cidade limpa -redução da sujidade, etc.
O que é sugerido é que a meta a ser alcançada é a redução dos resíduos gerados e o aumento dos resíduos beneficiados (reutilização, reciclagem, compostagem, valorização energética), onde a atualização da taxa vá contemplando gradativamente uma redução em seu valor, já que é um fator altamente pedagógico que induzirá boas práticas. Aos usuários renitentes em seus hábitos, claro que a taxa será um fator punitivo.
Fator de sucesso que deva ser considerado é que esse comprometimento da sociedade deve ser mantido pela continuidade das informações à rede de entidades já citadas, com demonstração dos resultados alcançados, os avanços, e assim por diante. Os serviços deverão buscar eficiência cada vez maior, e nada melhor do que uma sociedade estimulada e comprometida para fiscaliza-los.
Todos reconhecem um mau serviço, reclamam da sujidade, das áreas não cuidadas, etc; quando esse panorama começar a mudar, da mesma forma serão ressaltados os progressos obtidos através de uma atividade sustentável.
Por simples comparação, lembramos que a implantação de pedágios é mal recebida pela maioria, a mesma que se queixa do péssimo estado de conservação da rodovia, dos acidentes, etc.. À medida que os investimentos são feitos, a estrada tem um novo leito, defensas, demarcação de faixas, sinalizações horizontais e verticais, socorro mecânico, bem….a coisa muda de figura. Haverá sempre os queixosos, mas que fazer?
Ariovaldo Caodaglio
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